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Brasileiro descobre pedra rara no quintal de casa

Uma só formação reúne seis variações de cristais. Peça, de duas toneladas, tem qualidade jamais vista, segundo geólogo.

De um lado, uma ponte inacabada. Do outro, uma estradinha empoeirada de terra – único acesso até uma cidade simples e tranquila. Mas embaixo da terra está escondido um tesouro: a maior jazida do mundo de ametista, uma pedra preciosa.

No município de Ametista do Sul, no noroeste do Rio Grande do Sul, é o maior produtor mundial da pedra que, na região, está por toda parte: nas lojas, nas paredes da igreja e, principalmente, nos sonhos dos moradores.

No friozinho gaúcho, a família Tressi está de pé logo cedo. No fogão a lenha, a artesã Claraci Tressi prepara o café da manhã. O garimpeiro Miguel Tressi, marido dela, revela o que pensa quando acorda: "Geralmente, penso em garimpar e achar uma pedra que renda bem". Volta e meia, ele acha uma. Cada pedra é um cômodo a mais na casa.

"A história da cozinha é assim: eu achei uma pedra, fui à loja e comprei o material. Eu mesmo construí", conta o garimpeiro. Quanto mais ele acha pedras, maior a casa fica.

E a igreja também vai ficando cada vez mais abençoada, graças aos fiéis que tiram o sustento nas minas. Por fora, a Paróquia de São Gabriel, padroeiro da cidade, é uma construção como outra qualquer. Mas, por dentro, a decoração deve ser a única do planeta. As paredes são cobertas de ametistas. São 40 toneladas de pedras. A pia de batismo é uma concha de ametista gigante. A campanha para revestir a igreja durou cinco anos.

"Era algo emocionante. Muitas vezes, via aquelas mãos calejadas, de pessoas sofridas, mas que traziam com amor e alegria. Diziam que era pouco, mas de coração, para colocar na parede da igreja", lembra o padre Gilberto Giacomoni.

Tanta fé e disposição sustentam a pequena cidade gaúcha. Ao todo, 95% da economia giram em torno da pedra preciosa. O garimpo dá o sustento. Em compensação, arrasta os jovens para os subterrâneos da cidade. Andrei Tressi, filho de Miguel e Claraci, acaba de completar 18 anos e já entrou na profissão. Para a mãe, uma mistura de preocupação e orgulho.

A mina fica a poucos minutos da casa da família Tressi. É um buraco na encosta da montanha. A galeria começou a ser aberta há 22 anos. Os garimpeiros só conseguem avançar de dois a três metros por mês. Hoje ela já tem 350 metros de profundidade. É lá que está enterrada a esperança de Miguel. O trabalho deles é encontrar a pedra que a natureza escondeu há milhões de anos.

O garimpeiro conta que um ventilador joga ar limpo para dentro da mina. Mesmo assim, o ar é meio pesado. "A gente já não estranha mais", diz Miguel. Quanto mais avançamos, mais vai ficando abafado e perigoso, porque é um labirinto de antigas jazidas já exploradas.

No túnel apertado, carrinhos levam para fora a parte que não interessa: uma montanha de pedras nada preciosas e muito pesadas. Trabalho duro, resolvido na broca e no braço. Para vencer a rocha, Miguel fura e enche o buraco de pólvora. É o momento mais tenso e perigoso. Antes de explodir, Miguel tira o capacete. Tempo de pedir proteção. Logo depois da explosão, ele mostra os geodos encontrados. Geodo é a parte oca da rocha com o cristal de ametista dentro. É o que eles tanto procuram. Deram sorte.

"Foi um tiro de sorte", avalia Miguel. Mas o jovem filho dele não parece tão animado. "O trabalho é perigoso. O cara sempre tem um pouco de medo. Eu queria ver se conseguia outra profissão, trabalhar em uma firma. Queria deixar o garimpo", conta Andrei.

Mas, mesmo na terra do tesouro, não existem muitas opções, e a necessidade fala mais alto. Em outra mina, ali perto, os garimpeiros acabam de descobrir uma ametista gigante. É um casulo de um 1,8 metro, do tamanho de um homem. Os três trabalharam mais de oito horas. A pedra já havia sido cortada e estava quase solta.

O geodo de ametista visto por fora chega a ser feio, ainda mais coberto de lama. A beleza só aparece quando a pedra é cortada ao meio. Do garimpo, a pedra vai para uma oficina. No fundo da mina, o cheiro de óleo diesel do carrinho torna o trabalho ainda mais penoso.

Depois de milhões de anos escondido pela natureza, o cristal brilha pela primeira vez. Quanto mais escuro o tom de lilás mais valiosa a ametista.

As ametistas e outros tipos de cristais se formaram há cerca de 120 milhões de anos, quando uma intensa atividade vulcânica cobriu de lavas uma extensa área no sul do Brasil. Quando esfriou, a lava endureceu e deu origem ao basalto, uma rocha escura. No interior de alguns tipos de basaltos ficaram aprisionadas bolhas gasosas, que deram origem aos geodos em suas várias formas.

Os garimpeiros calculam que a ametista vá render R$ 5 mil para eles. É pouco, diante de tanto trabalho, e quase nada, se comparado com o valor da pedra nas joias vendidas no mundo inteiro.

Foi-se o tempo em que esposa de garimpeiro ficava em casa ou trabalhava na roça. Há três anos, a Cooperativa Ametista Solidária é uma opção de renda na cidade, com pouca chance de emprego.

A cooperativa trabalha quase sempre com pedras desprezadas pelos garimpeiros. São pedras que eles encontram, mas acabam jogando fora. É o talento dos artesãos que transforma lascas e cascalhos quase sem valor comercial em joias. A artesã Claraci Tressi, mulher de Miguel, faz colar. "A gente plantava milho, feijão, soja. Lá o serviço era pesado e agora é bem leve. Só é difícil fazer a montagem e o acabamento da joia", conta.

A artesã Shaina Winques vem de uma família de garimpeiros. Ela se emociona ao falar do pai, que trabalha nas minas desde os 12 anos. "Eu tenho orgulho de dar acabamento nas pedras que meu pai encontra. Ele faz um trabalho duro, e dar um retorno para ele é uma satisfação muito grande", diz.

A cooperativa também emprega ex-garimpeiros, vítimas da silicose, uma doença causada pela poeira aspirada no trabalho das minas. A silicose diminui a elasticidade dos pulmões, por isso, é conhecida popularmente como pulmão de pedra.

"Na realidade, a gente adquire silicose no garimpo por falta de informação. No meu caso, foi isso", conta o presidente da cooperativa, Alcione Batista.

A doença chegou a atingir 20% dos garimpeiros da cidade. O Ministério do Trabalho apertou a fiscalização e exigiu que as minas se modernizassem, principalmente no sistema de ventilação e no uso de água nas brocas, para evitar o pó. Muitos garimpos estão interditados, até que cumpram as normas. Outro problema é para o meio-ambiente.

"Em alguns casos, o rejeito da mineração chega a fechar córregos. Mas nosso trabalho junto à cooperativa e aos proprietários de garimpo é para que isso não ocorra", explica o engenheiro de minas Anderson Oliveira.

Existem dois projetos de reaproveitamento do rejeito. "O primeiro é usar o rejeito para encascalhar estradas de chão vicinais ao município. O segundo é aproveitar o rejeito moído para remineralizar o solo, jogando em alguns cultivos como parreiras, cítricos, milho, soja", adianta Anderson Oliveira.

A cidade onde a riqueza aparece do nada está construída sobre uma imensa rede de túneis. As escavações do garimpo avançam quilômetros por baixo da terra. Bem embaixo dos pés, pode ser que algum garimpeiro esteja trabalhando. É comum ouvir o barulho e até sentir em casa o tremor das explosões, mas ninguém reclama. No fundo, todo mundo tem a esperança de um dia encontrar um tesouro no quintal. E isso já aconteceu, bem na casa do comerciante Alcedir dos Santos.

O homem de sorte mostra o local exato da descoberta. Alcedir guarda em casa a peça especial: duas toneladas, 13 cabeças e seis variações de cristais. São todos os minerais encontrados em Ametista do Sul em uma só formação.

"Eu quero R$ 500 mil por essa peça. Depois que cair nas mãos de alguém com um certo interesse, não sabemos quanto pode valer. É única, jamais foi encontrada uma peça desse porte na região", diz Alcedir.

O Globo Repórter mostrou imagens da pedra para o geólogo Jürgen Schnellrath, do Centro de Tecnologia Mineral, no Rio de Janeiro. "Realmente, é um exemplar extremamente interessante. Eu nunca tinha visto algo parecido. Já vi diversos geodos de ametista. Mas não nessa formação específica – com todos esses geodos de alguma forma interconectados, apresentando qualidades diferentes do seu preenchimento. Com certeza, nunca mais irá ser encontrada uma pedra com o mesmo tamanho e qualidade. É realmente espetacular", avalia.

"Eu acho que isso é sorte, foi um presente de Deus", comenta Alcedir, que não pretende vender a casa onde mora.

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